CLT: Receber seguro-desemprego enquanto trabalha é estelionato
Tal como o juízo de
primeiro grau, a relatora percebeu que a ré agiu de forma deliberada,
consciente e injustificável na consumação do delito.
Simular demissão para receber o
seguro-desemprego é crime de estelionato, tipificado no artigo 171 do
Código Penal. Quem o comete com consciência da ilicitude, em função
do curso superior, também não pode alegar erro ou desconhecimento da
lei, como preveem beneficamente os artigos 20 e 21 do CP. O entendimento
levou a 7ª. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região a manter,
na íntegra, sentença que condenou por estelionato a sócia-empregada de
um grupo empresarial catarinense que sacou cinco parcelas do benefício
enquanto permanecia trabalhando e recebendo seu salário.
A desembargadora Claudia Cristina Cristofani, que negou
provimento à Apelação Criminal, observou que o artigo 3º da Lei
7.998/1990 exige que o trabalhador, para fazer jus ao benefício, não
possua outra renda própria de qualquer natureza — condição que a ré não
cumpria.
Tal como o juízo de primeiro grau, a relatora percebeu que a ré
agiu de forma deliberada, consciente e injustificável na consumação do
delito. ‘‘É de conhecimento do homem médio que, como o próprio nome
sugere, o benefício em questão visa proteger o trabalhador do desemprego
e, por óbvio, não pode ser recebido se a pessoa permanece laborando e
sendo remunerada pela empresa’’, escreveu no acórdão. A decisão foi
lavrada na sessão do dia 3 de fevereiro.
A denúncia
O Ministério Público Federal apresentou denúncia contra a administradora
de empresas Gisane Bruna Sell. Ela foi acusada de receber cinco
parcelas do seguro-desemprego, cada uma no valor de R$ 870,01, no
período de 1º de setembro de 2009 a 5 de janeiro de 2010, por conta da
sua demissão sem justa causa em uma metalúrgica.
No curso do inquérito aberto pelo MPF, ficou demonstrado que, no
mesmo período, ela continuou a desempenhar suas atividades sem registro
em carteira para uma fundição do mesmo grupo econômico, estabelecida em
Joinville (SC). O auditor fiscal da Receita Federal, que procedeu a
autuação, constatou que ambas as empresas se localizam no mesmo
endereço, se utilizam de iguais instalações e partilham os mesmos
funcionários.
A peça inicial afirma que a própria acusada confirma ter sacado
as parcelas de seguro-desemprego e permanecido trabalhando na empresa,
mesmo após sua ‘‘demissão’’. Ela figura como sócia da fundição desde 14
de janeiro de 2009, segundo a quinta alteração contratual. Segundo o
MPF, a conduta se encaixa ao tipo penal descrito no artigo 171,
parágrafo 3º, do Código Penal (estelionato em detrimento do Fundo de
Amparo ao Trabalhador).
Antes do oferecimento formal da denúncia, a pedido do MPF, a
acusada foi intimada pessoalmente a recolher os valores sacados
indevidamente, no prazo de 30 dias. Se atendesse a intimação, seria
possível reduzir sua pena ao patamar necessário para propor suspensão
condicional do processo, em razão da reparação do dano, nos termos do
artigo 16 do Código Penal. Ela, no entanto, preferiu não se manifestar.
Citada pela 1ª Vara Federal de Joinville, a ré também silenciou,
deixando de oferecer resposta à denuncia dentro do prazo processual.
Decretada revelia, o juízo intimou a Defensoria Pública da
União a se
manifestar sobre o processo. Em resposta, o defensor constituído
sustentou que a ré agiu sem dolo, porque não tinha consciência nem
vontade de praticar o crime. Disse que a mulher agiu com a falsa
percepção da realidade, incorrendo em erro de tipo inescusável, uma vez
que deixou que não sabia da impossibilidade de receber o
seguro-desemprego enquanto exercia atividade laboral.
Sentença condenatória
O juiz federal Roberto Fernandes Júnior julgou procedente a pretensão
acusatória, por entender que ficaram caracterizados o fato criminoso e a
autoria, tais como descritos em detalhes pelo Ministério Público
Federal. Ele destacou o depoimento do auditor, ouvido como testemunha da
acusação, em que este apurou que a ré figurava como empregada e sócia
da metalúrgica e sócia da fundição. Em consulta ao sistema do Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE), o auditor constatou que a ré auferiu
pró-labore ao mesmo tempo em que recebia o benefício do seguro
desemprego.
Na percepção do julgador, a ré, de forma livre e consciente,
obteve vantagem ilícita no total de R$ 4.350,05, em prejuízo do Fundo de
Amparo ao Trabalhador. Ou seja, ao apresentar rescisão de contrato de
trabalho sem justa causa, omitindo-se quanto ao fato de que continuava a
exercer atividade remunerada no mesmo período em empresa do mesmo grupo
econômico, induziu o ente público a erro, praticando o crime de
estelionato.
A situação se agrava, segundo a sentença, porque a autora do
crime é formada em Administração de Empresas. Ou seja, sabia que simular
a sua demissão traria consequências. ‘‘Afinal, consta da grade
curricular do curso de Administração de Empresas o fornecimento de
conhecimentos básicos acerca da legislação trabalhista, tributária e da
assistência social’’, complementou. Assim, alegações que poderiam
diminuir a pena (artigos 20 e 21 do Código Penal) devem ser vistas com
cautela.
Após a fundamentação, o juiz condenou a ré à pena de um ano e
quatro meses de reclusão. Na dosimetria, a pena privativa de liberdade
foi substituída por prestação de serviços à comunidade e pena pecuniária
de cinco salários-mínimos e multa de 39 dias-multa — à razão de um
terço do salário-mínimo cada dia.
Fonte: Consultor Jurídico, Netspeed News